segunda-feira, junho 02, 2014

Neruda

Ela conheceu uma pessoa que gosta de Neruda tanto quanto ela. Foi assim:
- Você também gosta de poesia? Com aquele ar surpreso de quem já não espera mais nada profundo de ninguém.
E a resposta veio: - Como você também? Eu é que gosto! Neruda, Manoel de Barros.
Ele foi interrompido: - Neruda!
E juntos, olhando um para o outro disseram: "No te amo como si fueras rosa de sal, topacio o flecha de claveles que propagan el fuego..."
Junto com a sincronia veio uma forte gargalhada. Não era possível que alguém mais, no meio de toda essa gente vazia, pudesse recitar, em espanhol, o seu poema preferido do Pablo Neruda.
Então ela contou que certa vez, recebeu este poema de presente e o leu tanto, que acabou decorando. E o acha lindo, perfeito.
Ele contou que descobriu o Neruda graças às aulas de espanhol que fazia quando adolescente no colégio de padres que frequentava.
E foi conversa pra cá, histórias pra lá. Ela era hilária, ele ria das piadas dela. Ela era linda. Ele sabia disso.
Ele era interessante e a atraía. Ela achou interessante a maneira como ele mexia a boca pra falar e o som da sua risada. A maneira como ele fechava os olhos quando ria e o jeito como prestava atenção enquanto ela falava. E uff, ela falava bastante!
- Você parece ter 54 anos. Tem mais histórias pra contar do que eu, po! - Disse ele em tom irônico.
- Ah, mas você acha que isso seja ruim? - Respondeu ela, fazendo um draminha, como sempre.
- Claro que não! Acho bárbaro que você saiba como aproveitar a vida. Eu tenho as minhas histórias pra contar também, mas fiquei muito tempo preso em um relacionamento, que bom, não me permitiu viver tanto quanto você.
- É, pode ser...
- Você teve sorte em estar sozinha.
- Como pode dizer isso? Não sou diferente de ninguém! Também gostaria de ter alguém, mas... - Ele a interrompeu e começou a dizer: - Você é incrível! É diferente dessas outras gurias cheias de mimimi. Você sabe o que quer e não deixa que ninguém se coloque no teu caminho. Você é forte, mais do que imagina! E olha que só estou dizendo isso pelo pouco que nos conhecemos.
Ela estava surpresa, mas ouvia tudo com atenção e mesmo antes de querer interrompê-lo, ele continuou:
- Sorte do cara que estiver contigo. Queria que pudesse ser eu este sortudo.
Ela suspirou, se retirou do emaranhado de pensamentos e respondeu:
- É assim. É sempre assim. Eles sempre dizem que não entendem porque eu estou sozinha, porque eu sou incrível, autentica, maravilhosa, etc etc... mas não é todo homem que consegue aguentar uma pessoa como eu. Os caras fogem de mulheres fortes. Eu tenho a minha sensibilidade e a considero importante. Sei lá, acho que sou um pouco ruim demais.
- Mas veja só o que você está dizendo! Disse ele, enquanto dava um gole na caneca de chopp. - Você precisa estar aberta para deixar seu lado frágil transparecer também. Você tá aí, bancando a durona, mas só falar em sensibilidade que já fica toda frágil. Eu não sou ninguém pra te dizer nada disso, mas é de coração que te digo que gostaria de ser o sortudo que ficará do teu lado.
Ela não disse mais nada. Não conseguia dizer, porque ele tinha tocado justamente onde mais doía. Ela estava cansada de ser forte e também da suas fraquezas, mas não conseguia admitir isso pra mais ninguém.
E estava ali, em um bar, com um semi-desconhecido, falando sobre o mais íntimo que ela podia ser. Só podia ser alguém que entende de poesia, pensou ela.
E ele disse: - Nossas vidas não são como as poesias que lemos. Mas podemos fazer as nossas próprias histórias. Eu sei que você escreve, porque te pesquisei antes de sairmos (santa internet!) e sei que você quer, mais que tudo, construir tua própria história.
Ela enrubesceu, não sabia o que responder. Estava atônita, respirando. Pegou o copo, deu os últimos goles e pediu mais um pro garçom, depois olhou pra ele e respondeu:
- Quer saber? Quero construir minha história, sim! E que seja uma história de amor linda, com poesia, músicas e mais um monte dessas coisas que eu gosto. - Num ar debochado, mas um tanto apreensivo, disse: quem sabe não seja você, esse rapaz de olhos castanhos, que será o sortudo a fazer parte da minha vida? Essas coisas a gente não sabe. Tem que deixar rolar.
Sem pestanejar, ele ergueu o caneco e disse: - Um brinde aos inícios!
Ela brindou, eles beberam e trocaram de assunto. Ele percebeu a tensão que deixou no ar. Fez umas piadinhas, deixou que ela pudesse rir de novo.
Ela era assim, tinha medo de se abrir. E olha que interessante, tinha medo do que mais sentia vontade na vida!
Estavam falando sobre qualquer bobagem, quando ela disse: - É isso mesmo! Você acertou. Não posso mais falar nada, porque você vai dar o jeito de descobrir. E quem sabe, assim, eu descubra o quão sortudo você pode ser, né?
O que era despretensão, falando de poesia, tornou-se em um diálogo de mudar vida. Pode ser que não, mas para transformar funcionou. E deve ser assim, com poesia, com versos e com amor de passarinho.


Conquistou o Egito e a Pérsia

Eu não queria escrever sobre você, mas devido as circunstâncias, é quase impossível querer fugir.
É meio esquisito ter que me despedir sem ter te visto e sem ter provado teu gosto e o teu abraço. 
É meio estranho saber que não vou mais te ouvir rindo e nem ver teus olhos fecharem quando o fizeres.
Não medir a tua mão, não fazer carinho na sua nuca. Não escutar mais tua opinião sobre as coisas e sobre a forma como tu te menospreza, como se fazendo isso pudesse me desencantar. Não escutar os teus problemas e deixar qualquer coisa que pudesse crescer pra lá, sendo de qualquer cor que fosse ou qualquer sentimento que aparecesse. 
Mas não tenho medo. Só acho estranho, como se fosse alguma coisa que não é nada. 
Não ser ou não sentir nada. E não poder fazer nada. Apenas ir.


"Foi generoso e malvado, magnânimo e cruel"

Pequeno diálogo sobre o olhar

"- Mas eu tenho medo.
- Medo de quê?
- De você.
- ... mas porquê?
- Por causa desses teus olhos doces."