Ela conheceu uma pessoa que gosta de Neruda tanto quanto ela. Foi assim:
- Você também gosta de poesia? Com aquele ar surpreso de quem já não espera mais nada profundo de ninguém.
E a resposta veio: - Como você também? Eu é que gosto! Neruda, Manoel de Barros.
Ele foi interrompido: - Neruda!
E juntos, olhando um para o outro disseram: "No te amo como si fueras rosa de sal, topacio o flecha de claveles que propagan el fuego..."
Junto com a sincronia veio uma forte gargalhada. Não era possível que alguém mais, no meio de toda essa gente vazia, pudesse recitar, em espanhol, o seu poema preferido do Pablo Neruda.
Então ela contou que certa vez, recebeu este poema de presente e o leu tanto, que acabou decorando. E o acha lindo, perfeito.
Ele contou que descobriu o Neruda graças às aulas de espanhol que fazia quando adolescente no colégio de padres que frequentava.
E foi conversa pra cá, histórias pra lá. Ela era hilária, ele ria das piadas dela. Ela era linda. Ele sabia disso.
Ele era interessante e a atraía. Ela achou interessante a maneira como ele mexia a boca pra falar e o som da sua risada. A maneira como ele fechava os olhos quando ria e o jeito como prestava atenção enquanto ela falava. E uff, ela falava bastante!
- Você parece ter 54 anos. Tem mais histórias pra contar do que eu, po! - Disse ele em tom irônico.
- Ah, mas você acha que isso seja ruim? - Respondeu ela, fazendo um draminha, como sempre.
- Claro que não! Acho bárbaro que você saiba como aproveitar a vida. Eu tenho as minhas histórias pra contar também, mas fiquei muito tempo preso em um relacionamento, que bom, não me permitiu viver tanto quanto você.
- É, pode ser...
- Você teve sorte em estar sozinha.
- Como pode dizer isso? Não sou diferente de ninguém! Também gostaria de ter alguém, mas... - Ele a interrompeu e começou a dizer: - Você é incrível! É diferente dessas outras gurias cheias de mimimi. Você sabe o que quer e não deixa que ninguém se coloque no teu caminho. Você é forte, mais do que imagina! E olha que só estou dizendo isso pelo pouco que nos conhecemos.
Ela estava surpresa, mas ouvia tudo com atenção e mesmo antes de querer interrompê-lo, ele continuou:
- Sorte do cara que estiver contigo. Queria que pudesse ser eu este sortudo.
Ela suspirou, se retirou do emaranhado de pensamentos e respondeu:
- É assim. É sempre assim. Eles sempre dizem que não entendem porque eu estou sozinha, porque eu sou incrível, autentica, maravilhosa, etc etc... mas não é todo homem que consegue aguentar uma pessoa como eu. Os caras fogem de mulheres fortes. Eu tenho a minha sensibilidade e a considero importante. Sei lá, acho que sou um pouco ruim demais.
- Mas veja só o que você está dizendo! Disse ele, enquanto dava um gole na caneca de chopp. - Você precisa estar aberta para deixar seu lado frágil transparecer também. Você tá aí, bancando a durona, mas só falar em sensibilidade que já fica toda frágil. Eu não sou ninguém pra te dizer nada disso, mas é de coração que te digo que gostaria de ser o sortudo que ficará do teu lado.
Ela não disse mais nada. Não conseguia dizer, porque ele tinha tocado justamente onde mais doía. Ela estava cansada de ser forte e também da suas fraquezas, mas não conseguia admitir isso pra mais ninguém.
E estava ali, em um bar, com um semi-desconhecido, falando sobre o mais íntimo que ela podia ser. Só podia ser alguém que entende de poesia, pensou ela.
E ele disse: - Nossas vidas não são como as poesias que lemos. Mas podemos fazer as nossas próprias histórias. Eu sei que você escreve, porque te pesquisei antes de sairmos (santa internet!) e sei que você quer, mais que tudo, construir tua própria história.
Ela enrubesceu, não sabia o que responder. Estava atônita, respirando. Pegou o copo, deu os últimos goles e pediu mais um pro garçom, depois olhou pra ele e respondeu:
- Quer saber? Quero construir minha história, sim! E que seja uma história de amor linda, com poesia, músicas e mais um monte dessas coisas que eu gosto. - Num ar debochado, mas um tanto apreensivo, disse: quem sabe não seja você, esse rapaz de olhos castanhos, que será o sortudo a fazer parte da minha vida? Essas coisas a gente não sabe. Tem que deixar rolar.
Sem pestanejar, ele ergueu o caneco e disse: - Um brinde aos inícios!
Ela brindou, eles beberam e trocaram de assunto. Ele percebeu a tensão que deixou no ar. Fez umas piadinhas, deixou que ela pudesse rir de novo.
Ela era assim, tinha medo de se abrir. E olha que interessante, tinha medo do que mais sentia vontade na vida!
Estavam falando sobre qualquer bobagem, quando ela disse: - É isso mesmo! Você acertou. Não posso mais falar nada, porque você vai dar o jeito de descobrir. E quem sabe, assim, eu descubra o quão sortudo você pode ser, né?
O que era despretensão, falando de poesia, tornou-se em um diálogo de mudar vida. Pode ser que não, mas para transformar funcionou. E deve ser assim, com poesia, com versos e com amor de passarinho.